346 - Zeus
Lembro-me perfeitamente: meus pais haviam ido levar um de meus irmãos ao médico na cidade, e nós, todos ainda bem pequenos, ficamos na fazenda de uns amigos deles, um pouco distante da nossa casa.
Quando a Dona Alaíde - parece que era este o nome dela - colocou comida nos pratinhos pra nós, pediu que todos nos assentássemos em um banquinho, encostado na parede. Eu fiquei na pontinha do banco, ao lado da cancela que dava para o terreiro. A coisa foi tão rápida que ninguém deve saber descrever direito o que aconteceu. Parece que a cancela estava aberta e um dos cachorrões da fazenda, pulou rápido pra dentro e abocanhou a minha perna! Deve ter doído horrores! Na mesma hora, a dona da casa gritou seu esposo que veio correndo, levou-os pra fora - eram uns três ou quatro - e me carregaram pra cama. O sangue jorrava, queimaram panos velhos pra estancá-lo, amarraram umas faixas, sei não! O certo é que fiquei com pavor de cachorros!
Até hoje, se encontro um pelas ruas, fico trêmula, morrendo de medo! Por isto, nunca tive em casa um desses bichinhos, tão amigos, companheiros fiéis, que muita gente não consegue passar sem eles. Mas aí vêm os filhos. E cada um com seus gostos!
Quando morávamos em Curvelo, apareceram em casa com um setter irlandês. Era lindo, o Brook! Quem cuidava era minha filha. E aí ela resolve ir para Belo Horizonte fazer cursinho. Adivinha para quem sobrou tomar conta do coitado?... Eu,né? Claro! Dava comida, água, ralava cenoura pra ele ficar com o pelo bem bonito; porém, tudo meio que de longe, com medo.
Mudamos pra cá, os meninos se casaram e têm cachorros. E aí, quando viajam, quem vai tratar dos bichos???
Agora, meu filho caçula foi embora, deixou o cachorro dele com o inquilino. Como este precisou ir pra outra casa, o pobre do Zeus ficou sem dono, precisando muito de cuidados. Haviam brigado, ele e o outro cachorro do inquilino, coitado, todo machucado, triste... Não aguentamos: adotamos o bicho! E é bem grande, um bichão: pastor alemão, capa preta, dos grandes. Está aqui, em casa. Fazer o quê , não é mesmo? Um cachorro de muitos anos, como meu esposo e eu, ambos sem querer conviver com cachorros, sem morrer de amores por eles, agora com um aqui em casa. Dócil, tranquilo, querendo "sombra e água fresca!". Terá o que quiser nos seus últimos anos de vida...
Ontem, minha filha mandou buscá-lo para um banho, visita ao veterinário, um trato. Voltou limpo e perfumado. Fique tranquilo, Zeus! Pode ficar aqui; casa, comida, água fresca... menos roupa lavada...
Que diria São Francisco de Assis se o abandonássemos à própria sorte...
Ontem, minha filha mandou buscá-lo para um banho, visita ao veterinário, um trato. Voltou limpo e perfumado. Fique tranquilo, Zeus! Pode ficar aqui; casa, comida, água fresca... menos roupa lavada...
Que diria São Francisco de Assis se o abandonássemos à própria sorte...
(Celina - 27/03/19)