192 - CANEQUINHA AMARELA
Há algum tempo estou aqui sorrindo, pois há coisas que nos
fazem sorrir assim, como bobos, só ao lembrar o fato. Decidi me levantar e
contar pra você, mesmo porque, uma coisa que não tolero é ficar acordada na
cama. Aconteceu aqui em casa:
"Era já quase noite, eu na cozinha, lavando algumas
vasilhas, enquanto todos, na varanda, conversavam animadamente, saboreando um
churrasquinho. Os meninos brincavam de forma bastante barulhenta, bem
embaixo da minha janela. E falavam todos ao mesmo tempo: _ É falta; eu vou bater. _
Isto nem é falta, é normal. _ É falta, sim! De repente, um grito mais forte:
_ GOOOOOLLLLLL! _ Não, não foi! Passou fora da marca! (A marca, certamente, devia ser
algum chinelo, sandália ou um tênis preguiçoso, encostado no canto). Aí,
vem o choro...
Pensei na hora: O vovô toma todas as bolas que aparecem por
aqui; briga com eles porque 'vão estragar minhas orquídeas - vão quebrar as
plantas - parem com esta bola - vão jogar na casa de vocês -
aqui, não - por que não pedem a seus pais para levarem vocês pro
clube?...' Então, com quê, estão jogando?...
Fui ver: incrível! Há bem mais de uma hora os meninos
brincavam, numa algazarra boa, num futebol animado, com direito a dribles
ousados, faltas e tudo, chutando - imagine! - uma canequinha
amarela!
Em outro canto do quintal, Lelê brincava: vasilhas cheias
de folhas, de acerolas, encontradas pelo chão, pedaços de biscoitos...
sozinha... quietinha... Nem deu pela falta da canequinha amarela! E como os
adultos presentes, também não ouvia a algazarra dos meninos, os gritos de gol,
as reclamações, o choro constante do Sávio...
Deixei ficar: uma canequinha velha... 'deixa quieto!' Se
ninguém deu pela coisa, a mim, não incomodavam. Quero ver, pensei, até onde vai
isto!...
Mas, não foi muito longe mais não! Um grito mais alto, um
choro mais forte, e a voz autoritária do vovô: _ Celina, olha esses
meninos com essa bola! _ Que bola? Eles não têm bola!
Aí, os pais se levantaram - até que enfim! - e foram
colocar ordem na meninada, brigando por um futebol diferente que estava
acontecendo há um tempão... Como demoraram a perceber!"
É... Acho que foi positiva a brincadeira: entretiveram-se
por um longo tempo, deixaram os adultos em paz um pouco, e exercitaram. Quem
sabe, são essas partidas loucas de futebol, essas peladinhas, que fazem com
que os meninos gostem tanto de uma bola?...
E, como relatado na crônica anterior, eles estão mesmo
levando a sério esse esporte que é uma das maiores alegrias da criançada, não é
Arthur, artilheiro do campeonato do Náutico? Não é, Sávio e Lucas, que
participarão no próximo ano?!
Bem, está amanhecendo. Vejo os primeiros albores da aurora.
No quintal, um frango ensaia timidamente o canto de um galo vigoroso que
pretende ser. Vou ligar a TV Aparecida e rezar o terço com o Padre Antônio
Maria. Até a próxima!!!