385 - Rodolfo
Ainda bem que faltam algumas crônicas para eu fechar este trabalho porque não gostaria de me omitir num momento tão importante; detalhes que poderiam, a um olhar menos observador, ou destituído de emoções, passarem despercebidos; fatos de uma riqueza incomparável! É parar para ver o valor do ser humano, como Ser e não como ter.
Estávamos no Santuário, cantando o Ofício de Nossa Senhora, após a celebração da Santa Missa, quando a Sandra recebe uma ligação. Vai atender, e volta dizendo: "O velório do Rodolfo está sendo ali, na capela de São Vicente de Paulo."
Até então eu não sabia quem era o tal Rodolfo, mas a Maria Eugênia completou: "Ah é! Ele morreu ontem." E ela: "Ligaram pra mim onze horas da noite, dizendo que ele havia morrido."
Como já havíamos parado mesmo de cantar por alguns momentos, perguntei quem era. Explicaram: um morador de rua que ficava ali perto do SAAE; há muitos anos que ele vivia ali. E a Sandra completou que sempre dava a ele um prato de comida, almoço, janta, quando ele pedia; ele tinha consigo, quatro ou cinco cachorros, de quem tratava; sempre que ela passava perto e ele perguntava sorrindo onde estava indo, se ela respondesse que ia ao supermercado, ele dizia: "Traz um pão com mortadela pra mim." Quando entregava, ele mesmo pouco comia pois dividia com os cachorros.
Assim, Sandra ia dando detalhes do jeito de ser do Rodolfo, e a Maria Eugênia complementando. Ele lavava carros e levava o dízimo, religiosamente para a Paróquia de Santa Luzia. E eu pergunto: Onde arranjava água para lavar os carros? "Uai, no SAAE! O povo lá era doido com ele!"
Gente! Isto é um morador de rua! Então eu disse: Terminando nossas orações aqui, vamos lá rezar um terço pela alma dele? E muitas se prontificaram a ir conosco.
Até nos assustamos com o requinte do local: Lá estava tudo o que o Assistencial Santa Clara coloca nessas ocasiões! E lá estava o Padre Evandro! Quando dissemos a ele que iríamos rezar o terço, ele falou: "Que bom! Enquanto vocês rezam eu vou providenciar o atestado de óbito para o sepultamento." Apresentou-nos então suas irmãs que haviam sido avisadas e vieram de longe para o enterro e passaram os dados para o Padre providenciar tudo.
Foram chegando outras pessoas e rezaram conosco. Fiquei encantada com a beleza da urna, a roupa que puseram nele, as flores que o enfeitavam, a expressão tranquila de seu rosto, tudo muito lindo, com direito até a uma bela coroa ofertada pela comunidade de Santa Luzia! Muita dignidade!
Enquanto rezávamos, chegaram outras pessoas chorosas, talvez vindas de longe também. Aproveitei a presença das irmãs para nos inteirarmos melhor da situação e ficamos sabendo que são de Montes Claros, mas não residem mais lá. Que muitas vezes vieram aqui buscá-lo, porém ele nunca quis voltar; gostava da sua vidinha aqui em Sete Lagoas, com os amigos que conquistou e seus cachorros. E lá estavam funcionários do SAAE, rezando conosco e falando de suas qualidades, sempre sorridente, amigo; levava pra eles, frutas que conseguia no Sacolão. Incrível história, a do Rodolfo! E a Sandra resumiu a história assim: "Viu como Deus é maravilhoso? Uma pessoa boa, que só fazia o bem, e recebe agora neste momento final da vida, todo este carinho. Nada passa despercebido aos olhos de Deus!" E eu me lembrei: Está na Bíblia: um copo d'água, não fica sem recompensa!
Uma vez, em meus trabalhos escritos, fiz esta observação: quando fiquei sabendo que pessoas moravam nas ruas, fiquei encabulada: como é que pode uma pessoa morar na rua? e banheiro? e banho? e chuva intermitente? e frio cortante? e um travesseiro? como é que dorme?...
Não costumo citar em minhas crônicas, nomes de pessoas, a não ser da nossa família, ou pessoas muito amigas. Mas cito aqui algumas, pois é por uma boa causa: pessoas boas, melhores que eu, que se dedicam a correr atrás daqueles que precisam, que necessitam mais de atenção, de um aconchego e não só de um pedaço de pão!
(Celina - 03/08/19)